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Sinais de alerta

 

06/11/2020

 

Na década de 1960, logo após o golpe de 64, eram muito conhecidas as crônicas de um certo Stanislaw Ponte Preta no jornal fluminense Última Hora. O colunista, que na verdade se chamava Sérgio Porto, narrava diariamente os absurdos que aconteciam pelo país afora, então sob a tutela dos militares. Alimentados por cartas vindas dos próprios leitores, a coluna era um manancial de pequenas anedotas de desmandos e lambanças cometidas por políticos, autoridades das mais diversas gradações e até de personalidades, tão famosas quanto toscas.

Era o que o próprio jornalista batizou como “Febeapá” (Festival de besteira que assola o país). Naqueles anos de nova ordem, os novos mandatários impunham novos regramentos que soavam surreais para a maioria dos cidadãos. Parecia o enredo de uma peça teatral do romeno Ionesco.

Na semana passada, relativamente calma politicamente, o governo do mito nos brindou com dois episódios que chocaram muitos e deixaram intrigados outros tantos.

Logo na segunda-feira, o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), meio que do nada, propôs que fosse convocado um plebiscito para que o povo opinasse sobre uma nova Constituição. Justificava, dentre outras besteiras, de que a atual Constituição, promulgada em 1988 e cunhada de Constituição Cidadã por Ulysses Guimarães, tem só direitos e nada de deveres. Ainda afirmou que a mesma deixou o país “ingovernável”.

A reação (contra a ideia) foi ampla, geral e irrestrita. Até integrantes do atual governo acharam a proposta absurdas. A crítica mais dura partiu do ex-ministro do STF Carlos Velloso, que afirmou que um plebiscito desse tipo equivaleria a um golpe de Estado.

Barros, que fez questão de dizer que essa é uma posição pessoal e não necessariamente do governo, disse que formalizará a proposta no Congresso Nacional.

O outro episódio foi protagonizado pelo próprio presidente Jair. Muito que discretamente, o mito assinou um decreto que autorizava a realização de estudos para parcerias entre os setores privado e público para construção e administração de UBS (Unidades Básicas de Saúde).

Mais uma vez foi algo que desagradou a gregos e troianos, além de especialistas do setor que enxergaram na medida uma clara tentativa de privatizar o SUS (Sistema Único de Saúde). Diante de tanta grita, o mito teve recuar no mesmo dia, revogando um decreto numa edição extra do Diário Oficial. Os estudos, diga-se de passagem, seriam realizados pelo ministério da Fartura, do postoipiranga cada vez mais gasolina.

A despeito do nível ionesquiante das propostas, há algo de muito sintomático nisso tudo. E preocupante. Desde que o Centrão voltou de onde nunca realmente saiu, o governo da nova era tem sido muito efetivo em lançar balões de ensaio que visem minar as conquistas sociais tão arduamente conquistas pela sociedade civil nos últimos trinta anos.

E isso começou um pouco antes da eleição de 2018.

Logo após o processo golpista do impeachment, o presidente Temer incorporou a Previdência no ministério da Economia. A imprensa amiga não deu um pio sequer.

Saudades dos tempos do Febeapá.

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