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O último tango em Brasília

 

05/02/2020

 

No auge da ditadura militar a Censura funcionava a pleno vapor. Para defender a moral e o bons costumes os militares interditavam a plena circulação e divulgação de obras literárias, músicas, peças de teatro, filmes e até de programas de televisão (vide o caso da primeira versão da novela Roque Santeiro).

Um dos filmes que ficou vários anos longe das salas de cinema brasileiras foi a produção europeia “O Último Tango em Paris”. Uma das cenas polêmicas do longa era em que o ator Marlon Brando sodomizava violentamente com manteiga a sua jovem namorada, interpretada por Maria Schneider.

Certamente os censores da época devem ter dados diversas voltas nos seus respectivos túmulos quando o nosso presidente, mercurial dia sim e outro dia também, mandou que a imprensa enfiasse leite condensado naquele lugar onde o sol não bate.

O motivo da irritação do mito presidente era por conta de uma denúncia de compras do governo, com valores e quantidades astronômicas de itens alimentícios, como leite condensado e...chicletes.

O chefe de estado, que já tinha mandado, em uma outra ocasião, a imprensa calar a boca, foi naturalmente ovacionado pelos presentes, seguidores fidelizados que colocam a sua devoção de Bolsonaro acima de tudo e de todos.

O mais surpreendente de tudo isso é que ninguém, ninguém mais se choca com o que sai da boca desse cidadão. Ele pode dizer a maior atrocidade do Universo que todo mundo classificará como normal. O novo normal é tão ou mais perverso e atroz que o politicamente correto.

Na referida obra cinematográfica, o diretor Bernardo Bertolucci retratou um tipo de homem, de comportamento masculino, que se agonizava no início da década de 1970. Com as mudanças comportamentais da década anterior, o empoderamento da mulher não parou mais de crescer.

Outra cena chave do filme é a referida dança portenha num salão da capital francesa. Para quem não sabe o tango é uma dança onde o homem conduz o tempo todo a parceira. É uma dança essencialmente masculina. Genial com sempre, Marlon Brando executa os passos finais com toda o sarcasmo e desdém que o momento merece. É o crepúsculo do macho.

Quando a principal autoridade do país achincalha violentamente um dos principais pilares da democracia, e é aclamado por isso, se sacramenta assim o crepúsculo de uma nação inteira.

Como diria Joseph Conrad: “Horror! Horror!”

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